Perturbações Psiquiátricas

Perturbações psiquiátricas: livro quer desmistificar o apoio psiquiátrico.

entrevista à Vital Health em 06/01/2016

Perturbações psiquiátricas: livro quer desmistificar o apoio psiquiátricoUm quinto dos portugueses sofre de perturbações psiquiátricas, das quais a depressão e a ansiedade são as mais comuns. O psiquiatra Diogo Telles Correia lançou um livro dedicado ao tema para desmistificar muitos dos mitos da sociedade sobre a ida a um psiquiatra. A Vital Health falou com o autor.
Vital Health (VH) | Em que consiste o livro “EU EXISTO – para além das obsessões, para além das vozes, para além da depressão, para além da ansiedade”? Qual a sua principal mensagem?
Diogo Telles Correia (DTC) | O livro “Eu Existo” teve em vista três objetivos fundamentais: 1) Mostrar aos leitores que é possível a descrição literária das vidas dos pacientes que recorrem às consultas de psiquiatria e psicoterapia. Que essas pessoas têm vidas semelhantes a qualquer um de nós; 2) Explicar conceitos e aspetos do mundo da saúde mental que são frequentemente mal definidos nos meios de comunicação social. Como médico psiquiatra e psicoterapeuta, e professor da faculdade de medicina, tenho o privilégio de poder explicar todas estas questões de forma acessível a todos mas sem fugir de uma base científica; 3) Por fim, explicar que é essencial nós, técnicos de saúde mental, termos acesso a toda a vida do paciente de forma a podermos ajudá-lo com eficácia. Os pacientes não são depressões, ansiedades, obsessões, são muito mais além disso. Por isso o livro se chama “Eu Existo… para além das obsessões, para além das vozes, para além da depressão e para além da ansiedade.”

EU EXISTO – para além das obsessões, para além das vozes, para além da depressão, para além da ansiedade

VH | Os casos escolhidos correspondem a diferentes perturbações psiquiátricas. Como se define uma perturbação mental?
DTC | De forma genérica pode considerar-se uma perturbação mental uma situação que afete as emoções, o pensamento e o comportamento e que provoca mal-estar significativo no paciente ou uma perturbação no seu funcionamento social e profissional.
Neste livro são desenvolvidos quatro casos em que os pacientes padecem de perturbações mentais (perturbação obsessiva-compulsiva, perturbação depressiva, perturbação de personalidade, perturbação de ansiedade/pânico).

VH | As doenças mentais são mais comuns do que se pensa? Em que medida afetam os portugueses?
DTC | As perturbações psiquiátricas são mais frequentes do que se imagina. Portugal apresenta dos mais altos valores de prevalência de perturbações psiquiátricas (22,9%), apenas comparáveis com a Irlanda do Norte (23,1%) e com os EUA (26,4%).

VH | Das quatro condições exploradas neste livro, qual a mais comum?
DTC | É, sem dúvida, a depressão. Esta doença afeta 20% dos portugueses num determinado momento das suas vidas. Mas a probabilidade de vir a padecer desta patologia ao longo de toda a vida chega a ser muito superior aos 20%. Há uma tendência geral para um aumento do diagnóstico desta situação, fatores como a crise económica, um aumento da pressão profissional bem como a solidão e outros fatores podem estar por trás desta situação.

VH | Os portugueses estão informados quanto aos sintomas destas perturbações e preparados para pedir ajuda profissional?
DTC | Infelizmente os meios de comunicação social não têm, a meu ver, sido muito felizes na forma como transmitem informações sobre a doença mental e as formas de a combater. Por isso é importante que se tenha atenção ao tipo de fonte que se utiliza para esclarecer dúvidas sobre estas questões.

VH | Ainda há estigma e preconceito associados à consulta com um psiquiatra?
DTC | Cada vez há menos estigma em relação ao “ir ao psiquiatra”. No entanto, e sobretudo nas zonas menos desenvolvidas esse estigma persiste, levando as pessoas que padecem de perturbações mentais a pedirem ajuda aos profissionais errados como médicos de outras especialidades (neurologistas, por exemplo), ou a nem sequer irem ao médico. Felizmente, e à semelhança do que se passa noutros países civilizados, o “ir ao psiquiatra” é considerado cada vez mais como uma atitude normal quando se pretende procurar uma ajuda para a resolução de algumas questões de vida que provocam sofrimento. Não é necessário ter uma “perturbação mental” grave para ir ao psiquiatra, e acredito que muitos suicídios podiam ser evitados por uma ida precoce ao psiquiatra.
As perturbações mentais devem ser geridas por médicos psiquiatras que fazem o diagnóstico diferencial com outras patologias médicas e planeiam o tratamento que pode incluir medicação ou psicoterapia. Na psicoterapia podem entrar os psicólogos ou psiquiatras com formação específica.

VH | No livro, a relação entre o psiquiatra e o paciente é explorada. As vivências e problemáticas dos doentes influenciam de alguma forma o profissional?
DTC | O profissional de saúde mental também se sente tocado pelos problemas dos seus pacientes que muitas vezes são dramáticos. Há casos que de facto nos poderão perturbar mais. É frequente nos emocionarmos com o que o paciente nos relata e com o seu sofrimento. No entanto temos de estar preparados para lidar com estas emoções e não deixar que elas perturbem a nossa ajuda aos pacientes. No livro são exploradas as vivências do profissional e do paciente e a relação entre os dois que é essencial para que o paciente se cure.

VH | Por que razão o Prof. Doutor Diogo Telles Correia, autor de diversos outros livros dirigidos a estudantes e especialistas de Psiquiatria, decidiu escrever um livro dirigido ao público em geral?
DTC | Depois de escrever muitos livros técnicos para médicos e psicólogos senti necessidade de escrever alguns livros dedicados ao público em geral. Não só porque a vertente literária me atrai bastante, desde sempre, mas porque me parece que o público em geral tem direito a ler literatura sobre as doenças mentais com qualidade mas também com rigor técnico. Infelizmente, apesar do valor literário de algumas obras sobre esta área, os conteúdos técnicos são na maioria das vezes deturpados.

VH | De que forma é que este livro pode ajudar outras pessoas?
DTC | O grande objetivo do livro foi fazer chegar ao público quatro casos clínicos de pessoas como qualquer um de nós mas que padecem de uma perturbação mental. Por terem esse problema, elas não deixam de ser pessoas e de ter uma história de vida riquíssima e interessante. Por outro lado, ao longo do livro são veiculadas muitas informações essenciais para que as pessoas apreendam com rigor e de forma acessível vários aspetos sobre as doenças mentais. Quem ler este livro fica não só com a ideia de que leu quatro histórias agradáveis e bem escritas mas que também a sua cultura sobre estes temas foi enriquecida. Quem padece destas perturbações ou tem familiares que delas padecem poderão encontrar neste livro pistas para o seu tratamento.

Entrevistado:
Diogo Telles Correia
Psiquiatra e psicoterapeuta. Professor Auxiliar Convidado de Psiquiatria e de Psicopatologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Assistente hospitalar do Departamento de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria e Consultor na Unidade de Transplantação Hepática do Hospital Curry Cabral. Para além destas funções, é vice-presidente da Associação Portuguesa de Psicopatologia e membro da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva.

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